quinta-feira, 14 de maio de 2009

Minas de Jales - O ouro da terra

A riqueza do lugar está enterrada nas profundezas
Em tempos, as Minas de Jales, abastadas que eram, tornaram Campo de Jales em terra de encanto onde chegaram a trabalhar mais de um milhar de pessoas. Actualmente, das antigas minas de ouro apenas resta algum ferro entulhado, que não tem outra serventia se não mostrar que o tempo passou e deixou para trás a “aldeia do mineiro”. Lançados à redescoberta daquela que chegou a ser a referência nacional de ouro chegámos a Campo de Jales, no concelho de Vila Pouca de Aguiar. Procurámos então alguém com quem falar sobre o complexo mineiro Minas de Jales. Encontrámos Ricardo Malheiro, por sorte, um antigo “escriturário da empresa”. “Aquilo é conhecido por Minas de Jales, mas antes era chamada de Mina dos Mouros”, começou por alertar. “Minas de Jales era como se chamava a nossa sede em Lisboa, porque pertencia a Campo de Jales”, explicou o escriturário, que dedicou 34 anos de vida ao trabalho na mina. Esta ligação aos “Mouros” advém do facto dos seus primeiros exploradores terem surgido no tempo dos Romanos. Em 1992, o complexo de mineiro deixou definitivamente de funcionar e terminou com ele a exploração de ouro em Portugal. “Quando começaram a trabalhar, ainda apareciam muitas ferramentas de madeira que eram dos Mouros”, salientou este antigo funcionário, reformado por invalidez antes do encerramento. Interessados em saber como era a vida no interior da terra, seguimos até à aldeia mineira. Uma urbanização talhada em contornos antigos, mas que já vê alguma modernidade. Respeitando a traça antiga, algumas estruturas vão sendo remodeladas e servindo de habitações. Já dentro do povoado acentua-se um cheiro a terra. Freitas é apontado como “o homem mais certo para entrevistar”, alertou um transeunte. Com alguma dificuldade chegámos à casa de César de Freitas. Sentado na soleira da porta reage energicamente, enganando os seus 78, “quase 79 anos”, como fez questão de dizer.

Expedição na escuridão dourada
Não longe da sua habitação, está “o pouco que resta” do complexo mineiro. O enferrujado cavalete do Poço de Santa Barbara, com metros de altura a “fazer escurecer a vista”, era então responsável por garantir a subida e a descida das profundezas, quer dos homens quer do filão. Junto à estrutura, desembaraça-se a memória do antigo estivador. “A minha função era de, quando houvesse um desabamento, ir lá limpar o caminho e sustentar o túnel, garantindo a segurança”, explicou César de Freitas, que orgulhosamente acrescentou ser esse “o mais importante cargo dentro da mina”. De lucidez perfeita, recorda como saiu de Vieira do Minho e foi parar à “terra prometida”, para aí passar a descer às “entranhas do mundo”. “Veio um compadre meu para aqui, porque não havia trabalho naquela maré e eu vim com ele, porque já era casado e tinha de trabalhar.” Então, com apenas 18 anos, desceu pela primeira vez no elevador do cavalete, para cumprir e repetir a façanha durante os “quase quarenta anos” seguintes. Para executar a sua função “tinha que se ter bom olho, porque era muito perigoso”, sublinhou. “A segurança passava toda pela minha mão, entregavam-me um piso e eu tinha de o deixar pronto e seguro para os homens lá andarem. A equipa de estivadores era um grupo de dois e tínhamos de ter muita confiança um no outro”, revelou César de Freitas. Entre mais uma gargalhada, um “ataque de tosse” avivou-lhe mais a lembrança, esta pesada. “Tive poucos sustos lá em baixo, mas alguns por lá ficaram. Comigo nunca lá morreu nenhum, porque era muito cuidadoso. Muito tabaco fumei para manter os olhos bem abertos e fazer tudo direito”, recordou. Considerando-se um homem cauteloso, admite também que à cautela se juntou a sorte e alguma, mas não muita, fé. “Benzia-me cada vez que ia descer. Só quando ia descer, porque quando chegava cá em cima já estava safo não era preciso”, afirmou em tom de brincadeira. Trabalhando oito horas por dia num ambiente aurífero, mas húmido, e respirando pós de outros minérios como o estanho ou o volfrâmio, César de Freitas adoeceu, como tantos outros companheiros. “Estive algum tempo em tratamento, porque apanhei a doença profissional que é causada pelos pós da mina.” Ainda hoje, os seus ataques de tosse têm na doença da mina a “causa mais provável”.

O fim, o despovoamento
O cenário actual é de um certo desmazelo. Entre as casas habitadas e cuidadas, há os barracões velhos e sem serventia. Dos vagões que transportavam o filão já poucos restam para amostra e os que há servem agora de adorno nos jardins de casas particulares. Já junto ao conservado campo de futebol da aldeia, encontrámos António Silva. Agora com 30 anos, chegou à aldeia mineira ainda nos braços da mãe, acompanhado pelo pai que era mineiro. Cresceu lado a lado com a mina, “num ambiente movimentado e com muitas pessoas”, mas do qual já pouco resta. “Os meus pais vieram para aqui, fizeram uma casa e, quando comecei a poder trabalhar, chegava as ferramentas aos trabalhadores”, afirmou o operário da construção civil. Daqueles tempos, António Silva falou com alguma nostalgia dos bailaricos de Verão e das sessões de cinema no clube da aldeia. “Quando a empresa trabalhava isto tinha muita gente e disso já nada sobra, ficou tudo abandonado. Primeiro até tínhamos boas equipas de futebol.” Agora, a equipa do Campo de Jales fica-se somente pela liga amadora. “Pode não ser um campeonato como os outros, mas voltámos a formar equipa e vamos jogar a final da taça amadora”, garantiu orgulhoso. Sobre o “desmoronar” da grandiosidade do complexo mineiro, estes três antigos trabalhadores das Minas de Jales são unânimes. “Deviam ter deixado um pouco melhor conservado, mas preferiram vender tudo o que podiam e abandonaram o resto”, acusou o mais novo dos três. Ricardo Malheiro, desde sempre habituado a “lidar com a papelada” não tem dúvidas: “tinha lá muito minério, mas a má gestão levou a que acabasse”. Depois do início do processo de falência, em meados da década de 1990, a empresa decidiu leiloar o património. “Quem tinha dinheiro comprou e quem não tinha foi ocupando o que podia”, lembrou António Silva. Do corrupio de outros tempos pelos 16 túneis, escavados a 640 metros da superfície, já pouco sobra. Resta apenas a lembrança, que se vai perdendo com a memória dos antigos, e alguma esperança de que as Minas de Jales voltem a funcionar. Talvez por isso, ainda hoje, durante a festa de Verão da aldeia, o “andor do Mineiro” sai à rua.
Frederico Correia in http://www.mensageironoticias.pt/

1 comentário:

Anónimo disse...

campo de jales é a melhor terra do mundo! =D