quinta-feira, 5 de maio de 2011

Soutelo Mourisco - uma freguesia continuadamente regressiva

CARACTERIZAÇÃO
Soutelo de Mourisco, freguesia do concelho de Macedo de Cavaleiros, situada no extremo NE do concelho, no limite do concelho com os concelhos de Vinhais e Bragança.
Encontra-se na Terra Fria Transmontana, em zona de montanha (fraldas da serra de Pombares), ocupando uma superfície de 1248ha, que representa uma densidade populacional inferior a 5hab/km2.
Integra os aglomerados de Cabanas, Soutelo Mourisco e Vilar D’Ouro.A freguesia perdeu 79,6% da população entre 1950 e 2001. Na década de 50/60 ainda regista um aumento populacional, atingindo o máximo populacional em 1960 (323 habitantes). Nas décadas seguintes diminui de forma significativa. Em 2001, tem 60 habitantes, sendo 25 em Cabanas, 21 em Soutelo Mourisco e 14 em Vilar D’Ouro. Os jovens têm cada vez menor peso (13% em 2001) e o peso da população idosa aumenta, denotando-se num forte agravamento do índice de envelhecimento.
Cerca de metade da população não tem nenhum nível de instrução e 5% tem instrução acima do 1 ciclo.
Verifica-se a diminuição das famílias clássicas (-43%), manutenção dos alojamentos e dos edifícios.A freguesia apenas dispõe de vias municipais, encontrando-se a cerca de 30 minutos da sede de concelho e a 40 minutos da aglomeração regional, ultrapassando 90 minutos para aceder à cidade de equilíbrio regional.
Não existe rede de transportes local, nem praça de táxis, o que coloca esta população numa situação periférica.A freguesia dispõe apenas de uma função (posto de telefone público). O equipamento escolar existente, em 2002, à data encontra-se encerrado.
Apresenta uma elevada carência de funções não especializadas e um índice de marginalidade muito forte.A freguesia tem uma reduzida percentagem de população activa (10%), tendo somente 4 indivíduos empregados, em 2001, em particular no sector secundário (75%), contudo existiam apenas 2 desempregados. Em 2005, já não existe nenhum indivíduo empregado, derivado do facto da maioria da população não ter qualquer actividade. A maior parte da população tem ocupação no sector agrícola, sendo a população agrícola (62 indivíduos), em 1999, superior à população residente (60 indivíduos), em 2001, contrariamente ao que ocorria no período anterior.
As explorações diminuíram, mas também a área média da exploração, em virtude da menor área de SAU explorada, sendo cada vez menos os agregados familiares com actividade exclusiva na actividade agrícola.Refira-se a diminuição na utilização das terras, excepto nas culturas permanentes e nas matas e florestas sem cultura sob coberto, que denotam o crescente abandono das terras e das culturas mais exigentes em mão-de-obra.
A vegetação arbustiva e herbácea predomina e registou aumento (205ha), existindo também aumento da área de floresta (25ha), diminuindo as zonas agrícolas heterogéneas (ainda representam 30% da área da freguesia), situação que se encontra associado ao crescente abandono da freguesia.

REFLEXÃO
A dinâmica de recessão da freguesia foi fortemente marcada pela emigração da população para o estrangeiro, tendo sido impulsionada pelo efeito de imitação/difusão a partir de um ex-residente entretanto emigrante em França. Ou seja, um habitante local emigra e vai arranjando trabalho para outros, enquanto um “passador” dá apoio na passagem da fronteira, originando ciclo sucessivo (iniciado em 1965) com efeitos cumulativos que leva a população local, na sua maioria, para França. Os habitantes procuram novas formas de vida, pois a única fonte de rendimento é a agricultura e esta era cada vez menos rentável. Mais recentemente, a partir dos anos 1990, surge uma nova onda de emigração, com a generalidade da população a emigrar, sobretudo para França e Suíça, ficando sobretudo os mais idosos, originando o despovoamento generalizado da freguesia. Aqui, as migrações de população para o litoral foram em número reduzido e sobretudo a partir da década de 90, tendo sido também muito poucos os que saíram da freguesia para ir para as cidades mais próximas.
O regresso dos emigrantes é praticamente inexistente. Nos anos 1970, foram pouquíssimos os que regressaram das colónias (3 ou 4 pessoas) e se instalaram na freguesia. Os emigrantes que na última década têm voltado não regressam para a freguesia, instalam-se sobretudo em Macedo de Cavaleiros e Bragança (4 famílias), existindo apenas dois casais que se instalaram na freguesia. Os filhos dos residentes que vão estudar/trabalhar para as cidades são poucos, mas também estes não regressam, vindo pontualmente à freguesia (fim de semana ou férias). Nenhum dos filhos dos emigrantes veio residir para a freguesia e, aparentemente também não foram para as cidades próximas.
A população da freguesia encontra-se bastante envelhecida, sendo muito poucos os jovens, existem apenas 6 habitantes com cerca de 10 anos, e no aglomerado de Vilar D’Ouro, o habitante mais novo tem 45 anos, tendo a grande maioria mais de 80 anos. Desde há 25 anos para cá, os nascimentos são em número muito reduzido, existindo mesmo um aglomerado onde não nasceu ninguém. No período de Verão, regressa muita gente à freguesia, nomeadamente os emigrantes e os respectivos filhos que vêm passar as férias, juntando-se mais de 300 pessoas, dando outra dinâmica e vida aos aglomerados. Existem também 3 a 5 famílias que residem na Área Metropolitana do Porto e que têm casa na freguesia, vindo, por vezes, passar o fim-de-semana e parte do tempo das férias.
O facto de a população estar dividida em três aglomerados, não teve influência no esvaziamento demográfico, sendo as principais causas das dinâmicas populacionais regressivas a baixa rentabilidade da agricultura tradicional, dados os custos das matérias-primas e dos fertilizantes, nomeadamente os adubos. Esta agricultura tradicional não está organizada e certificada para conseguir competir com os preços de uma agricultura de mercado. Os preços praticados são muito reduzidos face aos custos, sobretudo perante produtos que têm vindo a registar quedas de preços os vitelos valiam mais há vinte anos que valem hoje).
A rede viária apresenta limitações, existindo troços sem tapete betuminoso e que necessitam de ser melhorados, de modo a permitir diminuir a distância e o tempo de acesso à sede de concelho, contudo, a rede existente é suficiente para suprir as necessidades de deslocação, pois a população é muito reduzida. Antigamente as pessoas deslocavam-se a pé, ou usando os animais, indo muitas vezes, a pé até Santa Comba de Rossas (9 km) onde apanhavam o comboio. Também iam a pé a Macedo, nomeadamente para vender o carvão. Actualmente as pessoas deslocam-se de automóvel, embora não existam muitos na freguesia, pois os habitantes que têm automóvel acabam por transportar os outros, dado que não existe nenhum meio de transporte público (em tempos existiu uma carreira de ligação à sede de concelho) e não é muito utilizado o táxi. A distância à sede de concelho teve influência nas dinâmicas recessivas, pois alguns dos jovens que andam a estudar em Macedo de Cavaleiros acabam por ficar aí numa residência de estudantes. O transporte destes alunos teria de ser em táxi até à freguesia vizinha (Espadanedo) e de autocarro da Câmara Municipal para Macedo de Cavaleiros.
Desde há vários anos que a freguesia está servida de abastecimento de água, luz, telefone, tendo apenas à 12 anos ligação viária alcatroada entre os aglomerados da freguesia, contudo não foram estes elementos determinantes na evolução da população, sendo sobretudo a inexistência de oferta local de empregabilidade que desencadeou o abandono.
A freguesia nunca dispôs de nenhum tipo de comércio, sendo que o pão e a mercearia chegam à freguesia três vezes por semana, através dos vendedores ambulantes. Chegaram a funcionar 2 escolas, encontrando-se uma encerrada há cerca de 20 anos e a outra encerrou à 6 anos. Apenas a igreja e as 2 capelas são equipamentos utilizados pela população, sendo importantes dada a vocação religiosa, servindo também para a socialização entre os residentes, nomeadamente nos períodos antes e após as celebrações. Os espaços de utilização pública são em número reduzido.
Nunca houve empregadores, mesmo no sector agrícola. As pessoas que trabalham na agricultura, geralmente trabalham por conta própria, embora existisse uma grande entreajuda entre os vários habitantes. Nas duas últimas décadas, várias pessoas saem temporariamente para realizar trabalhos sazonais, pois a agricultura local é para subsistência, tal como foi ao longo dos tempos. A agricultura tradicional mecanizou-se mas continua a não se dirigir para o mercado. Cada vez mais os campos estão abandonados, pois existe pouca gente, mesmo os emigrantes que possuem terrenos têm cada vez mais dificuldades em arranjar quem fique entregue das suas propriedades. Os agricultores são idosos, muitos deles reformados, produzindo essencialmente batata, centeio e alguma castanha, e cultivando uma pequena horta para auto consumo. Os animais na freguesia são em número cada vez mais reduzido – existem poucos bovinos (7 vacas), 2 rebanhos de ovelhas e 1 de cabras. A comercialização das produções é feita pelos “comerciantes ambulantes” que passam na freguesia e adquirem os produtos, para depois os venderem nas feiras da região e a comerciantes de outras regiões. No caso dos animais, a venda também é feita através de intermediários, sendo contactados pelos produtores locais sempre que têm animais para vender.
A floresta encontra-se sobretudo em terrenos baldios, sendo gerida pela Comissão de Baldios, que tem 60% da produção, a qual tem vindo a aumentar por regeneração natural devido ao crescente abandono dos campos, nomeadamente nos terrenos baldios e mesmo em propriedades privadas abandonadas. A caça assume também alguma importância, atraindo alguns visitantes (Zona de Caça de Soutelo Mourisco), beneficiando a freguesia directamente das taxas e licenças de caça pagas pelos caçadores. O turismo não tem expressão económica, pois só aparecem alguns turistas, sobretudo estrangeiros, nomeadamente nos meses da Primavera e Verão. Um dos elementos de atracção local era o rali, que acabou por ser desviado para outros percursos, devido à presença local de habitats de lobos.
Nunca houve nenhum tipo de indústria localizada na freguesia e não há residentes locais a trabalhar fora na construção civil ou noutra actividade. Quando alguém arranja emprego fora, é sobretudo no comércio e serviços em Macedo ou Bragança, acabando por ir residir para essas localidades.
Segundo os residentes locais, daqui a 10 anos, a freguesia não terá mais de 10 pessoas, sendo uma situação irreversível.

IN http://hdl.handle.net/10216/51026

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