terça-feira, 27 de janeiro de 2009

MOBILIDADE SUSTENTÁVEL E TRANSPORTES PÚBLICOS EM CIDADES

1. A Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, através do Grupo de Estudos Territoriais, organizou, nos dias 30 e 31 de Outubro de 2008, o Seminário «Mobilidade Sustentável e Transportes Públicos em Cidades Médias e Territórios de Baixa Densidade». Embora abrangente, o título deste seminário remetia para duas problemáticas específicas e, de algum modo, complementares. Em causa estava, por um lado, a análise das questões associadas à promoção do transporte público em centros urbanos intermédios, à luz dos actuais padrões e condicionantes de mobilidade e na perspectiva de um desenvolvimento urbano sustentável. Mas, por outro lado, pretendia-se reflectir também sobre a natureza dos problemas de mobilidade que afectam grande parte das zonas rurais do território nacional e das soluções que têm vindo a ser desenhadas para atender a uma procura reduzida e difusa de transporte colectivo como é habitual nestas zonas. Estas problemáticas marcaram as intervenções e os debates que se sucederam ao longo de dois intensos e animados dias de trabalho, e nos quais participaram cerca de 150 pessoas oriundas das mais diversas proveniências institucionais e profissionais, tendo os resultados excedido as melhores expectativas, como foi reconhecido unanimemente. Em jeito de balanço, aqui ficam algumas notas conclusivas.

2. O termo “mobilidade” parece ter abandonado a aura tecnocrata que o marcou durante muitos anos, fazendo hoje parte do vocabulário corrente dos portugueses. Este facto revela, aparentemente, uma melhor percepção e compreensão dos fenómenos de deslocação de pessoas e bens e a qual extravasa largamente a visão tradicional muito centrada nas infra-estruturas, nos modos de transporte motorizado e no trânsito. No entanto, esta alteração parece ser ainda meramente semântica, como o demonstram eloquentemente inúmeras situações. A título de exemplo, refira-se que a grande maioria dos municípios continua a ter um pelouro e uma divisão de «trânsito» e que a administração central continua a apoiar a criação de «escolas de trânsito», prova de que o conceito de “mobilidade” ainda não entrou completamente no léxico e nas práticas de toda a administração pública. Um dos principais desafios que temos pela frente é pois o da difusão generalizada não só do conceito mas sobretudo da perspectiva e das abordagens que lhe estão associadas, encarando a mobilidade como um direito e um serviço de carácter transversal muito distante das visões redutoras como a gestão do tráfego ou a mera oferta de infra-estruturas ou de serviços de transporte.

3. A sustentabilidade da mobilidade urbana aparece hoje directamente associada ao uso excessivo e individual da viatura particular e às suas consequências directas: energéticas, ambientais, sociais e económicas. Em Portugal, a dependência do transporte individual é um fenómeno que se tem vindo a acentuar, paradoxalmente, nos centros urbanos de pequena e média dimensão. Embora as causas sejam certamente inúmeras e diversificadas, é cada vez mais evidente a relação que existe entre a dependência da viatura particular e os processos de urbanização difusa que estes centros urbanos conheceram nas últimas décadas. Esta evidência sugere a necessidade e a urgência de assegurar uma forte articulação entre políticas de transportes e políticas de ordenamento do território e, de forma mais operacional, entre planos territoriais e urbanos e planos de mobilidade. Nesse sentido, defende-se um modelo de cidade assente num tecido urbano denso e de uso misto, em detrimento da cidade de baixa densidade e funcionalmente segregada, de modo a criar massa crítica suficiente e padrões de mobilidade claramente definidos que permitam rentabilizar as redes de transporte público. Já no que diz respeito à natureza das relações entre os vários tipos de planos, defendeu-se a necessidade de articular e complementar as abordagens dos Planos Directores Municipais e dos Planos de Urbanização com as dos Planos de Mobilidade/Planos de Deslocações Urbanas, de modo a garantir que as estratégias e propostas de expansão urbana não ignoram, como o têm feito até aqui, os seus impactos em matéria de mobilidade e de acessibilidade urbana.

4. Em Portugal, a taxa de utilização do transporte público continua a ser muito reduzida. Nos centros urbanos de pequena e média dimensão os valores são consideravelmente mais baixos não só pelas razões apontadas em matéria de ordenamento do território mas também porque, em muitos casos, a cobertura, frequência e qualidade do serviço são claramente insuficientes. Este facto remete para um problema crucial: o modelo de financiamento. Um modelo que deve ser alterado, introduzindo o conceito de subsidiação dirigida, essencialmente direccionada para os estratos da população mais carenciados, atribuindo uma compensação aos operadores por redução das externalidades e colocando em pé de igualdade, em matéria de atribuição de indemnizações compensatórias, os sistemas de transportes das duas áreas metropolitanas com os das várias cidades que têm em funcionamento sistemas de transporte urbano. Só dessa forma será possível garantir os meios financeiros necessários para um serviço de transporte público de qualidade e suficientemente atractivo para o utilizador.

5. A problemática da mobilidade nos territórios de baixa densidade pode resumir-se ao ciclo vicioso da perda de população – perda de serviços – perda de transportes. Em geral estes territórios são caracterizados por uma procura reduzida e difusa que não pode ser satisfeita pelas soluções convencionais de transporte público. As experiências que têm vindo a ser implementadas nos últimos anos para atender a este tipo de problemas são muito diversas mas privilegiam, no essencial, duas dimensões fundamentais: a flexibilidade (percursos, paragens e horários) e a criatividade (aproveitamento de redes e serviços existentes, recurso às TIC, envolvimento das comunidades locais). Nesse sentido, as soluções que vierem a ser desenvolvidas em Portugal não devem ignorar a multiplicidade de serviços de transporte a operar nas zonas rurais, em particular os transportes escolares, os táxis, os transportes especiais (doentes e deficientes), os serviços postais, etc., assegurando a sua articulação, complementaridade e viabilidade económica e financeira. Paralelamente, importa também acautelar a expansão desregulada do “negócio privado” do transporte em meio rural por pessoas não detentoras do respectivo alvará, de modo a garantir que a actividade do transporte seja feita por profissionais devidamente habilitados para o efeito e evitar que os níveis de qualidade e de segurança do serviço que se pretende prestar às populações não se degradem. Finalmente, recomenda-se a maior das cautelas no recurso às TIC para a implementação de sistemas de transporte em meio rural, uma vez que, na maioria das vezes, estamos perante uma população envelhecida e com baixos níveis de instrução e para quem a utilização das novas tecnologias, nomeadamente o telemóvel e a internet, não é evidente.

6. O mercado de transporte regular de passageiros continua a ser regulado e disciplinado por um diploma legal com meio século de existência (RTA/1948). Aparentemente, existe um largo consenso quanto à necessidade e urgência de proceder a uma reforma profunda desta legislação mas o processo arrasta-se penosamente e parece que tal só acontecerá, mais uma vez, por imposição de Bruxelas. Certo, a Lei de Bases de Transportes Terrestres (Lei 10/90) introduziu algumas alterações significativas nas formas de exploração de serviços de transporte, através da concessão/contratação de serviços regulares urbanos e locais pelo município, da concessão/contratação conjunta por dois municípios e da criação da figura das áreas metropolitanas de transportes. Da mesma forma, a Lei n.º 159/99 alargou as competências dos municípios em matéria de planeamento, gestão e realização de investimentos transportes regulares urbanos e locais que se desenvolvam exclusivamente na área do município. No entanto, a regra que continua a prevalecer é a da concessão parcelar de linhas, quantas vezes desajustadas, e a ausência de qualquer mecanismo de planeamento e organização das redes de transportes à escala regional ou local. Importa, pois, dar novos passos no sentido de conferir mais competências aos municípios na área dos transportes, permitindo-lhes assim poder “desenhar” de forma mais adequada os sistemas de transportes no seu concelho, numa lógica de rede, integrando assim todos os tipos de transporte disponíveis e articulando serviços entre concelhos vizinhos. Simultaneamente, é universalmente reconhecido que um sistema convencional de transporte colectivo não constitui a solução mais eficiente e eficaz para zonas rurais de densidade populacional baixa. A integração dos vários tipos de transporte e a articulação inter-municípios será, com certeza, mais fácil – para não dizer que só dessa forma será possível – se a organização e a gestão deste sector passar para um nível supra-municipal, sendo desejável a criação da figura das autoridades intermunicipais de transportes, uma entidades a quem caberiam funções não só de planeamento e programação dos serviços de transporte mas também de promoção de uma mobilidade mais sustentável e mesmo da garantia do próprio direito à mobilidade.

Luís Ramos e Adriano Sousa
UTAD/Grupo de Estudos Territoriais da UTAD
In http://www.utad.pt/pt/eventos/mstp_08/index.html

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